(Os magálas de Paio Mendes de 1964)
A sorte de cada um ditava-se nas “sortes”. Boa sorte se ficasse livre, má sorte se fosse apurado.
Naquele tempo, ir às “sortes” era motivo, por um lado, de regozijo, porque representava transpor a fase de rapazola para o homem feito e pronto para a vida adulta e capaz de ir p’rá guerra. O percurso de vida de cada um de nós era interrompido nesta fase, por dois três e até quatro anos, período em que eramos confrontados com experiências que iam das longas deslocações para os quartéis em terras distantes onde eramos colocados até às viagens para o Ultramar e consequente participação na guerra colonial, passando pela formação nas diversas especialidades que nos calhavam em sorte. Dizia-se naquele tempo que quem não fosse à tropa não ficava homem inteiro. Se pensarmos na nossa interioridade, na fraca formação académica que nos era proporcionada e no obscurantismo em que vivíamos, a experiência da vida militar acabava por ser enriquecedora, abrindo novos horizontes e conhecimentos, porque eramos finalmente arrancados à inércia da vida que levavamos, (alguns de nós já tinham migrado) embora com trabalho duro, de sol a sol.
O dia das “sortes” era, assim, um dia marcante nas nossas vidas em que nos aperaltávamos a preceito para comparecer na inspecção, que, em 1964, foi efectuada nas instalações do cine-teatro de Ferreira do Zêzere.
Os da minha geração que estavam migrados, como eu, sobretudo em Lisboa, também compareciam, porque ninguém mudava a residência oficial para ter o privilégio de poder participar nesta, para nós, cerimónia de iniciação.
Escusado será dizer, que fomos todos apurados. Altos, baixos, fortes e fracos. Eramos, como se dizia então, carne para canhão. Estava-se em plena guerra colonial e tudo era mobilizável.
Os constrangimentos que sentimos em estar em pelota numa fila, a aguardar a vez de ser observado pelos militares que ali se deslocaram para o efeito, desvaneceu-se com a almoçarada que organizámos numa pensão da vila.
Eramos dezoito rapazes entusiasmados e alegres a viver este dia especial. Acabado o almoço, já acompanhados do acordeonista contratado para abrilhantar este dia, bem como o baile que se realizaria à noite, tirámos fotografias em grupo para perpetuar a ocasião.
Seguimos depois em grupo para Paio Mendes, sempre com o tocador à frente, animando a marcha, para fazer a tradicional visita às casas de cada um. Não fomos a todas, por falta de tempo e porque corresponderia a beber pelo menos 18 copos de vinho e o baile aguardava-nos à noite para culminar o dia, dançando. Recordo-me que neste dia fumei pela primeira vez na presença do meu pai, com sua autorização. A emancipação completava-se.
O baile realizou-se em Paio Mendes, à luz de um candeeiro a petróleo (ainda não havia electricidade neste tempo) no anexo da casa do sr. Capitão Pires, que tem umas ameias em pedra que lhe dá aspecto de castelo. Convidámos as raparigas solteiras para o baile, que decorreu animadíssimo, até tarde.
Com poucas excepções, acabámos por ir quase todos prestar serviço no Ultramar, na guerra colonial, de onde, felizmente, regressámos todos, embora hoje já haja a lamentar o desaparecimento precoce de alguns colegas e amigos que recordo aqui: O Joaquim Tareco, o Zé Vicente, o Tó Louro e o Caldeira.
Estão passados 44 anos deste evento das nossas vidas que todos recordam certamente e que terá sido, pelo menos para alguns, o início de novos rumos nas suas vidas.
Como seria interessante voltar a reunir-se este grupo com outra almoçarada para rememorar aquele dia.
Deixo o apelo.
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