Domingo, 14 de Dezembro de 2008

UM MINISTRO EM PAIO MENDES

 

 

 

 

Estamos em 1 de Maio de 1955, tinha eu 12 anos vivendo na casa dos meus pais na Freguesia de Paio Mendes, no lugar de Fundo da Rua.

Neste tempo, para podermos pisar alcatrão precisavamos  ir até a Besteiras onde circulavam pouco mais que as camionetas das carreiras da Companhia de Viação de Cernache e os camiões, Magirus, carregados de cimento para a construção da barragem do Cabril, que ouviamos roncar à distância na passagem pelos Vales até à serra da Junqueira, como se de música se tratasse.  Lisboa ficava a um dia de distância.
 Nos caminhos da freguesia, esburacados,  lamacentos e estreitos, com profundos rasgos feitos pelas rodas das carroças ou pelas aguas das chuvas, apenas circulavam pessoas e animais,  em movimentos pachorentos,  ao pobre estilo de vida da época, fechada e sem horizontes, sem qualquer comunicação com o exterior. Vivia-se de Sol a Sol. Apenas as lareiras ou as candeias alimentadas a azeite faziam adiar por pouco tempo para lá do pôr do sol o aconchego dos corpos cansados aos colchões recheados de camisas de milho até à madrugada seguinte, para irem repetindo, dia a dia, as tarefas cíclicas que a natureza e as estações do ano impunham.
Nada alterava o ritmo de vida das populações, com excepção das festas anuais que a música e os foguetes agitavam uma vez por ano.
Neste tempo, contudo, já começara alguma migração, sobretudo com destino a Lisboa na procura de melhores proventos e qualidade de vida. Destacava-se sobretudo a procura de raparigas novas e solteiras para servirem como criadas em casas de famílias mais ou menos abastadas.
Alguns rapazes também partiam na procura de trabalho nas obras, na carris, na polícia, marçanos, ou agarrando a primeira oportunidade de trabalho que lhes surgisse.
Localmente também havia quem contratasse raparigas de tenra idade para os servir, muitas vezes a troco, apenas de alojamento e alimentação. Aqui, quanto menos abastado fosse o patrão maior era o regime de escravatura a que eram sujeitas. Havia mesmo alguma crueldade na exploração do trabalho infantil de crianças ainda de tenra idade, numa fase em que a escola deveria ser apenas a sua única preocupação. 
Partir para Lisboa era então ter como destino um paraíso desconhecido. As raparigas partiam sem cinto de castidade, mas com a convicção da obediência e do respeito que sentiam ter como dever, incutido pelos pais e pelo forma de estar na vida, própria desta época.
Das minhas cinco irmãs, três partiram para Lisboa ainda novas com “carta de chamada” para trabalhar em casas diferentes, onde iniciaram a construção das suas vidas, com a dignidade que o seu carácter ajudou a formar.

 

 

 

 

Eu e as minhas 5 irmãs no dia do casamento da Maria Luisa, passados 53 anos

 

De entre estas destaca-se a história da Maria Luiza, que culminou numa espécie de conto de fadas com a realização do seu casamento na igreja de Paio Mendes. Foi a primeira noiva a casar-se ali com o agora tradicional vestido de noiva branco.

O noivo e ainda hoje seu marido, passados mais de 50 anos, com as bodas de ouro já celebradas é o Joaquim da Silva Louro, natural do Casal da Mata, freguesia de Dornes, que tinha migrado igualmente para Lisboa, na procura também de melhores condições de vida.

Havia a tendência para o acasalamento dos naturais das mesmas regiões, com algumas excepções.

Este, depois de várias experiências de trabalho acabou por abraçar a carreira militar na área da saúde, sendo já, à data do casamento,  graduado em Furriel. O facto de se apresentar fardado na cerimónia acrescentou-lhe ainda maior inedetismo aquele que ela já por si representava.

Mas voltemos atrás para relevar o acontecimento deste casamento que se transformou, provávelmente, no acontecimento mais mediático alguma vez verificado na nossa freguesia.

A minha irmâ fôra para Lisboa trabalhar para a casa do então Ministro das Obras Públicas, Engº Arantes de Oliveira, ministro de Salazar, que construiu a agora designada ponte 25 de Abril, onde se manteve até casar.

 

 

 

 

Os noivos depois de casados, reconhecendo-se da esquerda para a direita o Sr. Capitão Pires  o Sr. Ministro e a esposa e o Padre Rilhó

 

Pelas suas qualidades de trabalho e caracteristicas  pessoais, granjeou a amizade e o respeito, quer do Engº Arantes de Oliveira quer da sua esposa, D. Cristina, amizade que se manteve até à morte deles.

Pese embora as enormes diferenças de  estrato social, ofereceram-se gentilmente para serem os seus padrinhos de casamento, como se veio a verificar igualmente com o seu filho Engº Eduardo Arantes de Oliveira que apadrinhou a única filha que resultou desta união.

Quase inimaginável seria prever a sua disponibilidade para se deslocarem até Paio Mendes para assistir à cerimónia do seu casamento, juntando-se ao cortejo de uma família humilde, no interior rural, tão distante da capital.

Tratava-se de uma figura notável do Estado Novo,  que revelou tamanha humildade quanto era a  casa dos meus pais, onde compareceu e permaneceu em ameno convívio, num beberete original quão estranho para os hábitos conhecidos nestas circunstâncias, para a época.

Conhecida a notícia do evento, com a presença de tão alta figura do Estado, criou-se um ambiente de expectativa e curiosidade que se espalhou pela região, próxima e longínqua, que acabou por arrastar pesssoas de várias localidades para assistir à cerimónia (vieram pessoas do outro lado do rio Zêzere).

 

Os noivos junto à casa das "Machadas" no início da travessa do Fundo da Rua perto da antiga fonte de Paio Mendes, ladeados pelo sr. Capitão Pires, padrinho do noivo e a D. Cristina, madrinha da noiva e esposa do Sr. Ministro

 

 

Naquele tempo, a fonte de Paio Mendes localizava-se em frente ao portão do desactivado lagar de azeite de Gualdim Pais e a azinhaga, agora toponímicamente designada Travessa do Fundo da Rua, e que era o melhor caminho de acesso à casa dos meus pais.

A população vizinha encarregou-se de limpar e adornar este caminho, espalhando junco e flores até à casa dos meus pais, para que os ilustres visitantes o percorresssem como se de uma passadeira se tratasse,  sob a curiosidade de muito povo que os observava.

Ali chegados, , o  Padre Rilhó, pároco da freguesia,  fez um pequeno discurso de boas vindas na humilde sala de jantar da casa de meus pais, em nome do meu pai, que era, à semelhança da generalidade dos homens do seu tempo, analfabeto.

Assistiram ainda à cerimónia o Presidente da Câmara de então e e os representantes autárquicos locais.

Foi aproveitada a ocasião, neste dia, para solicitar ao sr. Ministro o financiamento para o arranjo da estrada de Besteiras a Dornes, que, naquele tempo, não tinha condições ideais para a circulação de viaturas. Passado um mês já havia trabalhos de marcação dos trabalhos e o financiamento chegou à Câmara, mas terá sido desviado para outros interesses.

Foi, com efeito, um acontecimento notável que eu mantenho vivo na memória até pelo facto, marcante para mim, de ter sido presenteado pelo sr. Ministro com 300 escudos (imagine-se quanto representava naquele tempo este valor) para que eu comprasse um borrego para criar. Mais tarde quando o visitei na sua casa em Lisboa e tomámos juntos, no seu escritório, um cálice de vinho do porto (tinha então 13 anos) questionou-me sobre os resultados do negócio com o carneiro.

Devo referir que, sem o imaginar naquele tempo,  quer a família Arantes e Oliveira, mas sobretudo a minha irmã e cunhado viriam a ser determinantes na construção do meu início de vida, acolhendo-me na sua casa em Lisboa durante largos anos, enquanto fui solteiro, fugindo assim ao destino da pobreza de mais um trabalhador rural da década de 50.

Na casa que foi dos meus pais, agora reconstruida, os Louros gozam agora merecidamente a reforma, nesta fase da sua já longa vida, no conforto de um lar acolhedor que eles preferem ao de Lisboa, depois de uma longa vida de trabalho cumprida, com a harmonia e o respeito de um casal inseparável que mútuamente se protege depois de mais de meio século decorrido desde o seu casamento.

ccarifas 

publicado por carifas às 21:33

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De Martim Arantes e Oliveira a 2 de Dezembro de 2014 às 06:18
Caro Sr. Nunes, O Engº Eduardo Arantes e Oliveira foi o meu tio-avô portanto é com muito gosto que eu leio o seu blog acerca do casamento da sua irmã. Agradeço as suas palavras simpáticas em relação ao meu Tio e à minha Tia. Com um abraço de amizade - Martim Arantes e Oliveira
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